Ela perdeu os dois. Seus dois pares. E descalça foi barrada na porta da festa. Espiou os pés pelados, colados ao chão. Estava mesmo presa à condição dos sem sapatos, que de dois se desdobraram em nenhum. Eram dois saltos altos, mas outros nomes poderiam sem prejuízo se encaixar ante o numeral dois. Impiedosa, a perda — de quem ou o que fosse — desafiava: “Não vai entrar”. Qual uma Cinderela às avessas, voltou onde os havia deixado. E os dois tinham sido surrupiados por uma estrangeira, que também desaparecera. Chegou a questionar se realmente o par existira. Os sapatos saíam de cena na hora em que se desdobrava em mais de uma mulher a cavucarem em si o que de fato se perdia. Não era mais ela, mas elas. E, descarnando, sentiu que em seu corpo uno de mulher cabiam sim vontades tantas— inclusive aquela, de ir à festa descalça.
Por Silvia Ribeiro