Surreal

“Quando ouço uma palavra que não conheço, aquela palavra fica na minha cabeça. Martelando…”

Ela disse isso e bateu três vezes o indicador direito na têmpora, como se costurasse os pensamentos para prosseguir a explicação.

“Uma vez, quando fazia a unha de uma cliente, lá no salão de Botafogo, ela me falou de um filme… Era uma cena policial. E daí de repente ela disse: ‘Surreal!’ Eu fiz que entendi. Concordei com tudo. E ainda dei risada. Mas por dentro, era tudo silêncio. Silêncio não, vazio mesmo. Eu vasculhava meu conhecimento, tentava interpretar as expressões da mulher… Associar o tal ‘surreal’ a outras palavras, mas nada… Não consegui adivinhar o que era. Fiquei com aquilo na cabeça, com aquele meu analfabetismo. Achei que a palavra era em francês. Ou em inglês. Aí fui atrás de saber, né? Porque quando a gente não sabe procura se informar. Hoje eu acho “surreal” uma palavra bonita. Mas como ela me doeu. Me incomodou…”

“O que significa? Ah… É algo assim… absurdo. Fica lá no fundo da cabeça, entre a verdade e a mentira. Assim: ‘Absurdo!’ Já fui até em exposição de arte depois disso. É uma palavra bonita…”

“Sério! Mas por que você está rindo? Hoje eu até uso de vez em quando: ‘Su-rre-al…’.”